Atualmente, para prosperar no mercado, é preciso ter muita agilidade. As mudanças na sociedade e nos negócios estão acontecendo com velocidade, e o acrônimo Vuca se tornou um contexto atual: nunca o contexto esteve tão volátil, incerto, complexo e ambíguo.
As empresas tradicionais estão se deparando com concorrentes inesperados, startups estão em todos os setores, e a tecnologia da informação e a inteligência artificial modificam o andamento de mercados globais que pareciam consolidados.
Seguindo a tradição em buscar prever o futuro da economia e dos negócios, o Fórum Econômico Mundial divulgou no início deste ano o relatório Jobs Of Tomorrow (Empregos do Amanhã). Feito por cientistas de dados das empresas LinkedIn, Coursera e Burning Glass Technologies, o documento destaca as 96 profissões que devem ganhar força nos dois anos seguintes.
Chama atenção a demanda por profissionais que possuam entre suas competências familiaridade com as metodologias ágeis. “Com a consolidação da Indústria 4.0, a adoção das metodologias ágeis será algo irreversível”, comenta Luciana Lima, professora de gestão de negócios e pessoas no Insper.
Baseado em uma série de valores e princípios, o Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software, feito por um grupo de programadores americanos em 2001, é um dos documentos fundadores do movimento agile. No texto, os autores pregam protocolos mais flexíveis para fazer as entregas. “Hoje, tudo o que usa tecnologia é agile. Há gestão ágil em empresas de finanças, mídia, educação, saúde, logística, indústrias, varejo e até em governos”, afirma Luciana Lutaif, diretora de práticas e talentos da consultoria Accenture.
Dentre as carreiras elencadas pelo Fórum Econômico Mundial na categoria “desenvolvimento de produtos”, três estão diretamente relacionadas com as metodologias ágeis: product owner (em primeiro lugar da lista), agile coach (em terceiro) e scrum master (em sexto). De maneira sucinta, o product owner coordena uma equipe de desenvolvedores e tem a responsabilidade de construir e entregar o produto ou serviço mais adequado para as necessidades dos clientes.
O scrum master é a pessoa que atua acima do product owner e tem a missão de ajudar todos a compreender os valores, princípios e práticas ágeis para melhorar a realização do trabalho. Já o agile coach, função mais conhecida, é o guia que orienta, nos diferentes níveis hierárquicos, todas as equipes durante o processo de implementação dos processos ágeis, incentivando funcionários e líderes na adoção de novas práticas e comportamentos. Todos funcionam como uma rede de apoio numa organização que aplique as metodologias ágeis.
Ainda que em diferentes contextos, essas funções têm algo em comum: precisam mediar e resolver os conflitos que surgem durante o desenvolvimento de um novo serviço ou produto. E esses embates podem ocorrer dentro dos times ou fora, caso existam clientes externos envolvidos no projeto. “Eles são facilitadores, aproximam pessoas que nunca trabalharam juntas, unindo-as com um objetivo comum e específico”, explica Luciana Lutaif, da Accenture. Para isso, habilidades socioemocionais — tais como facilidade de trabalhar em equipe, de criar e manter boas relações interpessoais, de escutar e mediar conflitos, entre outras — são essenciais.
“É curioso, mas a palavra ‘ágil’ não é a que melhor define o agile. ‘Maleabilidade’ é a melhor palavra para as metodologias ágeis”, diz Marcos Mattioli, especialista da consultoria Deloitte e responsável por implementar agilidade na companhia. Marcos, que está à frente de um time multidisciplinar composto de 13 pessoas, conta que até pouco tempo atrás os projetos eram grandes e dificílimos de ser moldados. Entre o pedido inicial e a entrega, passava-se tanto tempo que, quando saía do papel, o produto ou serviço já estava defasado em relação aos concorrentes ou às necessidades dos clientes. Ao usar métodos ágeis, com validações mais rápidas e pequenas entregas (os famosos sprints), o ciclo é acelerado e os ajustes são feitos com velocidade. “Não corremos mais o risco de sair do caminho das indicações iniciais. Tentamos mais, erramos mais, corrigimos rápido, aprendemos e entregamos mais”, diz Marcos.
Destaque
Numa pesquisa feita no LinkedIn em abril, havia 146 vagas para agile coach, 255 para product owner e 208 para scrum master. Juntas, as carreiras geravam mais de 600 oportunidades no período — lembrando que, em abril, o Brasil já enfrentava a crise econômica ocasionada pelo coronavírus. Essa demanda, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, tem forte tendência ao crescimento no país, exatamente como aponta o relatório do Fórum Econômico Mundial.
O problema é que o Brasil está diante de um paradoxo: há vagas, mas pouquíssimas pessoas com experiência prática nessas metodologias. “Não basta ter feito um curso, é preciso ter cicatrizes de guerra, ter atravessado problemas e conquistado resultados com as metodologias”, diz Luciana Lutaif.
A alta demanda se explica tanto pela adoção em massa das metodologias nas áreas tecnológicas de empresas como pelo uso delas em outros departamentos. Hoje o mercado já fala em organizações ágeis, com entregas rápidas, planejamentos de horizonte mais curto e flexibilidade. “Há um movimento de disseminar a cultura ágil por toda a estrutura organizacional para eliminar barreiras, conectar pessoas de áreas distintas que possam resolver problemas, ter mais contato e cumplicidade com os clientes”, explica Luciana Lima, do Insper.
Uma das empresas que passa por essa transformação é a varejista Magazine Luiza, que está levando o processo tão a sério que foi até a Suécia recrutar o brasileiro Henrique Imberti, atual diretor de agilidade da companhia, que começou a se especializar no tema em 2004. Depois de algumas experiências como agile coach no Brasil, Henrique foi contratado pelo Spotify para atuar na mesma função, mas em Estocolmo, capital sueca. Ficou por lá de 2014 a 2017.
“A temporada serviu para eu consolidar algumas certezas e derreter outras”, diz. No Magazine Luiza, seu objetivo (ao lado de um time de nove pessoas) é ajudar a mudar a mentalidade dos mais de 35.000 funcionários — e isso tem apoio do CEO da empresa, Frederico Trajano. “Agile coach, agile master, product owner, scrum master e qualquer variação possível não são super-heróis. Se não têm apoio interno, não fazem nada, falam para as paredes”, diz Henrique.
A equipe de agilidade do Magalu já colhe alguns frutos. O planejamento estratégico, por exemplo, não é mais anual, mas quadrimestral e ancorado em indicadores modernos, como número de usuários ativos no e-commerce e NPS (net promoter score, que mede a satisfação dos clientes). “Times e projetos mudam rápido, em semanas, mas mudar uma empresa desse tamanho é manobrar um transatlântico; demora um tempo, e é normal que seja assim”, diz o diretor. E ele completa: “Ser ágil é ter mais autonomia, é aprender com os erros para mudar rápido.”
Fonte: VocêS/A